Impacto do COVID-19 no comportamento do consumidor
Em plena segunda vaga da pandemia COVID-19, é importante olhar para tudo o que se passou este ano e analisar o que mudou à nossa volta: que comportamentos se alteraram e porquê. Ainda mais fundamental é questionar o que é possível aprender com tudo isto.
Neste artigo, são analisados três fatores de nível individual – a amígdala, a empatia e a homeostase – e o papel destes nas alterações e explicações do comportamento do consumidor no contexto do novo Coronavírus.
Comportamento do Consumidor
O comportamento do consumidor estuda os processos envolvidos quando indivíduos ou grupos selecionam, compram, utilizam ou se desfazem de produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazerem necessidades ou desejos.
Uma vez que as empresas procuram satisfazer as necessidades do consumidor, torna-se fundamental entender as pessoas e organizações que vão usufruir dos produtos ou serviços que a empresa oferece.
O valor do conhecimento obtido pelo estudo do comportamento do consumidor é a capacidade de aumentar a eficácia do marketing.
Um aspeto fundamental nesta área é a segmentação. Não conseguimos, à partida, criar laços com todos os consumidores existentes, desta forma, é necessário proceder a uma segmentação do mercado.
Uma vez definidos os segmentos, as empresas são capazes de ouvir e relacionar-se com o consumidor como nunca.
Segmentação do mercado: identificação de grupos de consumidores que são semelhantes entre si de uma ou várias formas com o objetivo de conceber estratégias de marketing para atrair um ou mais destes grupos. Ao grupo escolhido, chamamos target.
As necessidades e estilos de vida estão em constante evolução. É fundamental as empresas conhecerem muito bem o seu target, as suas necessidades e as suas aspirações. São várias as disciplinas que nos podem ajudar neste estudo.
Quando o foco do estudo é o indivíduo – nível micro – a psicologia ajuda-nos a entender os processos de perceção do produto, aprendizagem e memória, assim como o papel do produto no ajustamento psicológico do individuo, na formação da sua identidade e mudanças de comportamento ao longo da vida ou mesmo a perceber o comportamento de indivíduos enquanto membro de grupos sociais.
Quando o foco é social – nível macro – a história e a antropologia cultural são fundamentais para percebermos as mudanças societais ao longo do tempo e as crenças e práticas da sociedade.
Impacto do Covid-19
Por esta altura, estamos todos mais que familiarizados com a pandemia causada pelo novo coronavírus, originado na China e rapidamente espalhado por todo o mundo.
Assistimos ao mundo a mudar, estivemos em confinamento, em teletrabalho, em aulas online. Vimos a economia a cair, as empresas a lutar pela sobrevivência e muitas pessoas a perder os seus postos de trabalho. Vivemos uma mudança de paradigma. Não foi só o mundo que mudou, nós mudámos. Hoje, estamos num mundo novo para os consumidores, negócios e marcas.
Em tempos de grande mudança, não é o mais forte ou esperto que sobrevive, mas sim aqueles que mais se adaptam à mudança – Charles Darwin
O papel da Amígdala
A economia irá, eventualmente, recuperar. Mas algumas coisas nunca mais serão as mesmas. Algumas das razões para tal encontram-se no sistema límbico.
Se retirarmos todas as camadas de civilização, encontramos o nosso instinto primordial: um local de medo localizado numa região muito particular – a amígdala.
Situada na região do lobo temporal, a amígdala está conectada a outras estruturas cerebrais, garantindo o controlo das funções emocionais, principalmente os estados de medo.
Esta área tem um papel fundamental para a autopreservação uma vez que é o centro de identificação do perigo, colocando a pessoa em situação de alerta.
Uma vez que esta pequena região recebe a informação do potencial perigo antes do neocórtex, a reação ao perigo tem início antes de o individuo ter consciência deste facto.
O nosso instinto primordial mostra que os principais medos do ser humano são: ficar sem alimento e ser esquecido. Para compreender porquê, precisamos de mergulhar no mundo dos caçadores-recolectores, um mundo em que, subconscientemente, ainda habitamos.
O campo da psicologia evolutiva defende que muitas características sociais e psicológicas que apresentamos atualmente ganharam forma durante um longo período, ocorrido há cerca de 10 000 anos.
Os nossos cérebros e as nossas mentes estão adaptados a uma vida de caça e recoleção e, como tal, os nossos instintos e medos, assim como a sexualidade, hábitos alimentares e conflitos, são o resultado da forma como as nossas mentes de caçadores-recolectores interagem com o atual ambiente pós-industrial – com os seus smartphones, aviões e computadores.
Analisemos, então, estes medos primordiais e alguns exemplos da sua exposição durante a pandemia do novo coronavírus.
Ao contrário do recomendado pela DGS, os portugueses correram para as grandes superfícies. Assistimos a filas no supermercado como nunca pensámos ver. As pessoas encheram as despensas com enlatados e congelados.
Numa entrevista ao Sapo, uma senhora, de 57 anos, reporta “Levo algumas coisas, mas nada por aí além. Vou comprar meia dúzia de enlatados, pacotes de leite, papel higiénico… Coisas que possam aguentar mais um tempinho, porque não sei como é que a situação se vai desenrolar (…) estou a prevenir-me um bocadinho”.
Na mesma reportagem, um funcionário relata que “As pessoas estão com medo. Às vezes chegam aqui e compram coisas de que nem precisam” e que “as pessoas procuram alimentos com prazos de validade mais alargados”.
O medo de sermos esquecidos foi, também, evidente durante o isolamento social causado pela pandemia. Como tentámos ultrapassá-lo? Através do digital!
Nunca os grupos de WhatsApp estiveram tão ao rubro e uma das aplicações para smartphone com mais downloads foi a HouseParty.
Esta aplicação permitia fazer videochamadas em grupos de até oito participantes e estes podiam encontrar aqui alguns jogos como testes de cultura geral, desenho ou quem é quem.
Perda da Empatia
A empatia é uma resposta emocional imediata às circunstâncias de outra pessoa, mesmo quando não ganhamos nada com isso.
Podemos dizer que a empatia é a espinha dorsal da humanidade, foi ela que conduziu a espécie humana até ao que é hoje. Um bebé tem as suas primeiras reações empáticas nos primeiros dois ou três dias de vida!
A maior parte das vezes a empatia recebida (através de microexpressões faciais, por exemplo) não chega até ao nível consciente e por isso são poucas as vezes que pensamos na empatia.
Neste novo mundo das máscaras cirúrgicas, muitas das nossas expressões faciais estão escondidas levando a menores níveis de empatia entre as pessoas. Esta menor empatia tem como consequência uma menor conexão emocional.
Podemos pensar nas consequências societais que isto traz, mas que desafios nos lança esta perda a nível empresarial?
Como vimos acima, a necessidade de uma empresa ou marca criar laços com o consumidor é fundamental, temos, então, de nos adaptar a esta nova condição, de forma a que ela não afete a relação que criámos ou queremos criar com o nosso consumidor.
O atendimento ao cliente poderá, por exemplo, ser repensado e adaptado a este novo paradigma social. O objetivo será o consumidor voltar a ter a perceção de empatia durante o contacto com a empresa ou marca ainda que com os colaboradores da empresa a utilizarem máscara social no atendimento.
Ou podemos até mesmo pensar em aplicações da empatia nas soluções de atendimento online.
O que podemos ganhar com isso? O aumento dos níveis de empatia levará a uma maior conexão emocional entre o consumidor e a empresa ou marca.
Esta conexão emocional, no momento de tomada de decisão, falará mais alto que a razão. Uma marca emocional tem uma maior capacidade de retenção de clientes, e clientes fidelizados são, muitas vezes, autênticos embaixadores das marcas.
Além disto, é um fator muito importante na diferenciação da concorrência.
Homeostase
A homeostase é necessária à sobrevivência, desta forma, o nosso complexo sistema necessita de se adaptar ao seu ambiente externo e interno para manter a estabilidade.
A aplicação deste conceito pode ser muito interessante, principalmente na procura de oportunidades. Um novo conceito de negócio tem, geralmente, as suas origens num desequilíbrio ou exagero cultural. Uma vez que o ser humano procura o balanço – a estabilidade – este, deseja aquilo que lhe faz falta (ou que acha que lhe faz falta).
Para entender melhor a aplicação deste conceito, analisemos o caso da Hyundai durante a crise económica, em 2008, nos Estados Unidos da América.
Durante este período, a grande maioria das empresas que comercializavam veículos automóveis baixou os seus preços. No entanto, esta medida teve um impacto muito pequeno nas vendas.
Entretanto a Hyundai e o seu programa de comportamento do consumidor foi investigar as causas deste acontecimento.
O que descobriram foi que o consumidor ainda tinha fundos financeiros para adquirir um novo carro, mas tinham incertezas relativamente ao seu trabalho. Um possível despedimento levou a que os consumidores evitassem gastos desnecessários, ou extraordinários.
A resposta da Hyundai foi criar um seguro e adicionar aos seus anúncios: “Compre qualquer Hyundai agora e, se perder o seu rendimento no próximo ano, pode devolvê-lo”. As vendas subiram a dois dígitos e apenas cinco carros foram devolvidos no ano seguinte.
Conclusão
O que podemos levar para as nossas empresas e aprender com o COVID-19? A não reagir ao pânico.
Em vez disso, tentemos entender:
- O que leva ao pânico?
- O que leva à instabilidade?
- Quais são as bases do medo que está a ser vivenciado?
- Que detalhes ainda não foram ponderados no serviço prestado e como é possível, assim, a diferenciação da concorrência?
Se assim fizermos não seremos surpreendidos pelo o impacto do COVID-19 no comportamento do consumidor.